Para Roger Waters, montar a turnê The Wall - que passou por São Paulo, no Estádio do Morumbi, neste domingo (1º) - deve ser o equivalente a uma criança conseguir dar vida a seus desejos e brincadeiras dos primeiros anos de vida. Lançada em 1979, a ópera-rock do Pink Floyd sobre a trajetória do garoto Pink, inspirada na vida de Waters, havia sido apresentada apenas 30 vezes até 2010, quando a atual turnê começou. Pouco mais de 30 anos depois, finalmente, Waters conseguia dar vida a todos seus sonhos, anseios, medos e loucuras em grande proporção e com possibilidade de rodar o mundo.
Tudo em The Wall é superlativo. O muro que é construído tijolo por tijolo durante a primeira parte do show, o avião que derruba uma parte dele no começo do show, o porco inflável que navega por cima do público em In the Flesh, o aparato sonoro que toma todo o estádio e faz os efeitos do disco, como os helicópteros de The Happiest Days of Our Lives, tão perfeitos e reais quanto possíveis: cada elemento é uma peça do quebra-cabeça da grandiloquência de Waters e das obras do Pink Floyd.
Waters se orgulha de dizer que os discos do Pink Floyd não são apenas música, mas sim obras de arte. Uma das bandas mais bem sucedidas de todos os tempos, o Pink Floyd, desde que perdeu Syd Barret e viu emergir a figura de líder em Waters, trilhou um caminho de experimentos e maluquices, como tocar nas ruínas de Pompeia, na Itália, tendo a antiga cidade romana como único espectador e fazer um filme disso. The Wall, o disco, é o ápice da megalomania sonora que Waters construiu durante os anos 70 - e talvez seu álbum mais pessoal. Pretensioso, grandioso, elaborado e ao mesmo tempo tão pop que vendeu cerca de 30 milhões de cópias.
The Wall, o show, é mais do que apenas uma apresentação, é uma experiência visual e teatral. Na linhagem das grandes turnês, que inclui a Zoo TV e a Pop Mart, do U2, não sobram espaços para improvisações, apenas alguns momentos para o cantor agradecer e saudar o público. Nenhum problema: são tantas as projeções, os bonecos, as interações do palco com a plateia que é difícil se distrair - apesar de boa parte do público aproveitar os momentos mais calmos para conversar e tirar fotos de si mesmos. Assistir a The Wall é ser transportado para a mente bizarra e doentia de Waters por cerca de duas horas, uma experiência estranha e incrivelmente agradável.
O disco é interpretado em sua totalidade e na mesma ordem da gravação. Assim, logo de cara o riff matador de In the Flesh? é apresentado junto a fogos de artifício e fogos no palco. Sem muito tempo para respirar, logo na terceira música começa a tríade Another Brick in the Wall (Part 1), The Happiest Days of Our Lives e Another Brick in the Wall (Part 2), um tour de force com o provável maior hit do Pink Floyd. Difícil não se arrepiar com o solo esculpido em ouro nota por nota da última - por mais que não seja David Gilmour o executando. É estranho também que, apesar de levar ao palco um coral de Heliópolis para fazer a parte das crianças na música, o som pareça de um coro gravado.
Ao final da canção, Waters canta alguns versos para o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto no metrô de Londres em 2005 por engano pela polícia, e ao final dedica o show ao brasileiro. Jean faz parte de uma homenagem que Waters presta a diversas personalidades e pessoas comuns que morreram em conflitos e em atos de violência gratuita, incluindo o próprio pai do cantor, Eric, falecido durante a Segunda Guerra Mundial. O ápice das homenagens acontece no intervalo de cerca de 20 minutos entre as duas partes do show, em que as fotos e as histórias das pessoas são mostradas no muro já erguido.
Se em Another Brick in the Wall o professor repressor é representado por um fantoche gigante horrendo que surge no lado esquerdo do palco, Mother, que vem na sequência, traz uma mãe gorda e assustadora do lado direito do palco. Não é de se espantar que, sendo essa a visão que Waters tinha da mãe, ele tenha parido uma obra tão claustrofóbica e cruel. Repleto de mensagens políticas, The Wall é uma crítica ao totalitarismo, ao consumismo e à guerra. Não à toa, quando o verso "mother should I trust the government" (mãe, eu devo confiar no governo?) é cantado a expressão "nem f******" aparece no telão.
O porco inflável de In the Flesh, que surge quase no final e é uma das grandes atrações, vem cheio de inscrições e palavras de ordem. "O Brasil é laico", "- copa + educação" e "+amor" são algumas das frases escritas no animal. Conforme ele "anda" por cima do público, levado pelas mãos dos fãs, como se fosse um rockstar em um mosh, há um momento de leveza dentro de toda a seriedade que envolve a apresentação e fica mais claro que, apesar de político, engajado e hiperbólico, no fundo a apresentação é entretenimento puro e da melhor qualidade.
The Wall reflete o tamanho absurdo que o Pink Floyd ganhou durante as décadas. A banda é daquelas que reúne gerações e virou praticamente uma instituição - é difícil um fã de rock que não possua pelo menos um exemplar de The Wall ou The Dark Side of the Moon. As turnês de Roger Waters são o mais próximo que os fãs tem de ver as músicas ao vivo - por mais que sempre haja a expectativa de que David Gilmour surja no topo do muro em Confortably numb, tal qual no show em Londres, na O2 Arena, em 12 de maio de 2011, em que o guitarrista se apresentou com Waters na atual turnê.
Depois de quase duas horas, o muro branco é finalmente destruído em um só movimento. Acaba o show e Waters volta ao palco para agradecer ao público com sua banda. Entre o psicodélico e o fantástico, a imaginação e a realidade, The wall é um espetáculo único e imperdível.
Confira o setlist completo do show
Primeira parte
In the Flesh?
The Thin Ice
Another Brick in the Wall The Happiest Days of Our Lives
Another Brick in the Wall (Part 2)
Mother
Goodbye Blue Sky
Empty Spaces
What Shall We Do Now?
Young Lust
One of My Turns
Don't Leave Me Now
Another Brick in the Wall (Part 3)
The Last Few Bricks
Goodbye Cruel World
Segunda parte
Hey You
Is There Anybody Out There?
Nobody Home
Vera
Bring the Boys Back Home
Comfortably Numb
The Show Must Go On
In the Flesh
Run Like Hell
Waiting for the Worms
Stop
The Trial
Outside the Wall
Tudo em The Wall é superlativo. O muro que é construído tijolo por tijolo durante a primeira parte do show, o avião que derruba uma parte dele no começo do show, o porco inflável que navega por cima do público em In the Flesh, o aparato sonoro que toma todo o estádio e faz os efeitos do disco, como os helicópteros de The Happiest Days of Our Lives, tão perfeitos e reais quanto possíveis: cada elemento é uma peça do quebra-cabeça da grandiloquência de Waters e das obras do Pink Floyd.
Waters se orgulha de dizer que os discos do Pink Floyd não são apenas música, mas sim obras de arte. Uma das bandas mais bem sucedidas de todos os tempos, o Pink Floyd, desde que perdeu Syd Barret e viu emergir a figura de líder em Waters, trilhou um caminho de experimentos e maluquices, como tocar nas ruínas de Pompeia, na Itália, tendo a antiga cidade romana como único espectador e fazer um filme disso. The Wall, o disco, é o ápice da megalomania sonora que Waters construiu durante os anos 70 - e talvez seu álbum mais pessoal. Pretensioso, grandioso, elaborado e ao mesmo tempo tão pop que vendeu cerca de 30 milhões de cópias.
The Wall, o show, é mais do que apenas uma apresentação, é uma experiência visual e teatral. Na linhagem das grandes turnês, que inclui a Zoo TV e a Pop Mart, do U2, não sobram espaços para improvisações, apenas alguns momentos para o cantor agradecer e saudar o público. Nenhum problema: são tantas as projeções, os bonecos, as interações do palco com a plateia que é difícil se distrair - apesar de boa parte do público aproveitar os momentos mais calmos para conversar e tirar fotos de si mesmos. Assistir a The Wall é ser transportado para a mente bizarra e doentia de Waters por cerca de duas horas, uma experiência estranha e incrivelmente agradável.
O disco é interpretado em sua totalidade e na mesma ordem da gravação. Assim, logo de cara o riff matador de In the Flesh? é apresentado junto a fogos de artifício e fogos no palco. Sem muito tempo para respirar, logo na terceira música começa a tríade Another Brick in the Wall (Part 1), The Happiest Days of Our Lives e Another Brick in the Wall (Part 2), um tour de force com o provável maior hit do Pink Floyd. Difícil não se arrepiar com o solo esculpido em ouro nota por nota da última - por mais que não seja David Gilmour o executando. É estranho também que, apesar de levar ao palco um coral de Heliópolis para fazer a parte das crianças na música, o som pareça de um coro gravado.
Ao final da canção, Waters canta alguns versos para o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto no metrô de Londres em 2005 por engano pela polícia, e ao final dedica o show ao brasileiro. Jean faz parte de uma homenagem que Waters presta a diversas personalidades e pessoas comuns que morreram em conflitos e em atos de violência gratuita, incluindo o próprio pai do cantor, Eric, falecido durante a Segunda Guerra Mundial. O ápice das homenagens acontece no intervalo de cerca de 20 minutos entre as duas partes do show, em que as fotos e as histórias das pessoas são mostradas no muro já erguido.
Se em Another Brick in the Wall o professor repressor é representado por um fantoche gigante horrendo que surge no lado esquerdo do palco, Mother, que vem na sequência, traz uma mãe gorda e assustadora do lado direito do palco. Não é de se espantar que, sendo essa a visão que Waters tinha da mãe, ele tenha parido uma obra tão claustrofóbica e cruel. Repleto de mensagens políticas, The Wall é uma crítica ao totalitarismo, ao consumismo e à guerra. Não à toa, quando o verso "mother should I trust the government" (mãe, eu devo confiar no governo?) é cantado a expressão "nem f******" aparece no telão.
O porco inflável de In the Flesh, que surge quase no final e é uma das grandes atrações, vem cheio de inscrições e palavras de ordem. "O Brasil é laico", "- copa + educação" e "+amor" são algumas das frases escritas no animal. Conforme ele "anda" por cima do público, levado pelas mãos dos fãs, como se fosse um rockstar em um mosh, há um momento de leveza dentro de toda a seriedade que envolve a apresentação e fica mais claro que, apesar de político, engajado e hiperbólico, no fundo a apresentação é entretenimento puro e da melhor qualidade.
The Wall reflete o tamanho absurdo que o Pink Floyd ganhou durante as décadas. A banda é daquelas que reúne gerações e virou praticamente uma instituição - é difícil um fã de rock que não possua pelo menos um exemplar de The Wall ou The Dark Side of the Moon. As turnês de Roger Waters são o mais próximo que os fãs tem de ver as músicas ao vivo - por mais que sempre haja a expectativa de que David Gilmour surja no topo do muro em Confortably numb, tal qual no show em Londres, na O2 Arena, em 12 de maio de 2011, em que o guitarrista se apresentou com Waters na atual turnê.
Depois de quase duas horas, o muro branco é finalmente destruído em um só movimento. Acaba o show e Waters volta ao palco para agradecer ao público com sua banda. Entre o psicodélico e o fantástico, a imaginação e a realidade, The wall é um espetáculo único e imperdível.
Confira o setlist completo do show
Primeira parte
In the Flesh?
The Thin Ice
Another Brick in the Wall The Happiest Days of Our Lives
Another Brick in the Wall (Part 2)
Mother
Goodbye Blue Sky
Empty Spaces
What Shall We Do Now?
Young Lust
One of My Turns
Don't Leave Me Now
Another Brick in the Wall (Part 3)
The Last Few Bricks
Goodbye Cruel World
Segunda parte
Hey You
Is There Anybody Out There?
Nobody Home
Vera
Bring the Boys Back Home
Comfortably Numb
The Show Must Go On
In the Flesh
Run Like Hell
Waiting for the Worms
Stop
The Trial
Outside the Wall
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